quarta-feira, 23 de agosto de 2017

"Grave" (2016)

Grave (aka RAW, França/Bélgica, 2016)
Diretora: Julia Ducournau
Roteiro: Julia Ducournau
Produção: Jean des Forêts
Elenco: Garance Marillier, Ella Rumpf, Rabah Nait Oufella, Laurent Lucas, Joana Preiss, Bouli Lanners, Marion Vernoux, Thomas Mustin, Marouan Iddoub, Jean-Louis Sbille, Benjamin Boutboul, Anna Solomin, Alexis Julemont, Lich Jass, Charlotte Sandersen, Christophe Menier.
SINOPSE: Na família de Justine (Garance Marillier), todos os integrantes trabalham com a área veterinária e são vegetarianos. No entanto, assim que Justine pisa na escola de veterinária, ela acaba comendo carne. As consequência deste ano logo serão sentidas e chocarão toda a família.








“Teve um momento no qual pararam de falar sobre o meu filme e começaram a chamá-lo de 'o filme mais sangrento já produzido” diz ela.  “Disseram que era um filme feito para chocar, ou um torture porn, mas meu filme não está nem mesmo dentro da mesma família do cinema. Eu comecei a ler manchetes que não faziam o menor sentido. Manchetes dizendo ‘milhares de pessoas desmaiam nos cinemas’. Me desculpe, mas acho uma besteira. É uma pena porque algumas pessoas podiam ficar assustadas em ver o filme, quando poderiam ter aguentado numa boa. E outras pessoas que acabavam esperando por um torture porn vão acabar se desapontando.”


            O trecho que abre esta crítica faz parte de uma entrevista que Julia Ducournau, cineasta que literalmente ‘causou’ nos Festivais ano passado, e nem tanto por ter ganho o prêmio da crítica (FIPRESCI) no Festival de Cannes, mas sobretudo por ter causado desmaios em uma determinada sessão de seu longa-metragem no Festival de Toronto em 2016. Embora tal evento tenha soado como uma propaganda não intencional para que um filme talvez restrito ao circuito de arte atingisse maior atenção do público médio, por outro lado tira em parte o grande mérito deste longa ser muito superior a um mero shocker. Então vamos ao filme.
            Imagine você, uma jovem mulher nos seus dezesseis anos, virgem e recatada, com uma mãe supercontroladora, que decide até mesmo o que vai no seu prato, tendo que cursar a faculdade que seus pais tomaram como profissão, com uma irmã mais velha já veterana no mesmo curso, tendo ainda que passar por uma pesada semana de trote, com professores no seu pé, não tendo nem onde dormir direito, e sendo obrigada a passar por situações como comer fígado de coelho cru, cortesia dos veteranos… Pois é, uma barra bastante pesada para alguém que está saindo da adolescência para enfrentar a vida adulta. E olha que eu nem mencionei canibalismo…
            Grave (mais conhecido por seu título americano, Raw) é o longa de estreia da francesa Ducournau, que se distancia de seus compatriotas de gênero, como Alexandre Aja e Alexandre Bustillo ao investir muito mais em símbolos do que num gore gratuito, embora fique claro, conforme o filme avança, que Ducournau se mostra interessada em discutir questões relacionadas ao corpo (na montagem que faz paralelos com os corpos dos animais, ou na bela cena na qual Justine conversa com uma enfermeira no ambulatório da faculdade), prestando reverência explícita ao body horror dos primeiros trabalhos de David Cronenberg.
            Contando com um mise-en-scène impecável, Ducournau combina com maestria o formalismo estético de uma câmera estática a um naturalismo extremo, com destaque para o trabalho de maquiagem hiper-realista (que não esconde nenhuma mordida, ferida ou arranhão do público) do mago Olivier Afonso, digno de vários prêmios; aí entrando também as atuações do elenco principal, sobretudo da protagonista Marillier, que já em seu primeiro longa consegue transmitir todo o medo e a ansiedade de sua personagem Justine muitas vezes apenas com o olhar. Olhar este que descobre o mundo através do instinto, sem pudores, da atração sexual, do apetite voraz, de seu próprio corpo, de seu próprio lado negro.
            Funcionando em vários níveis (do filme de passagem à vida adulta, passando por questões do que é ser humano) Grave termina com um desfecho elegantemente aterrador, digno dos melhores exemplares do gênero, provando não só o talento de Ducournau, como também mostrando que o gênero não deve se privar de cérebros…
           





Trailer legendado:

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