domingo, 5 de abril de 2015

Maníaco (2012)

Maníaco (Maniac, EUA/França, 2012)
Diretor: Franck Khalfoun 
Elenco: Elijah Wood (Frank Zito), Nora Arnezeder (Anna), America Olivo (Mãe de Frank), Genevieve Alexandra (Jessica), Liane Balaban (Judy), Jan Broberg (Rita), Joshua Delagarza (Martin Nunez), Megan Duffy (Lucie), Dan Hunter (Nick), Délé Ogundiran (Policial), Sammi Rotibi (Jason), Eli Dupont (Jovem Frank).
SINOPSE: Frank (Elijah Wood) mora e trabalha em uma loja de manequins que foi herdada do pai. O problema é que ele costuma dar um sinistro toque aos bonecos, ele coloca o couro cabeludo de mulheres que ele escalpela. As coisas mudam quando ele conhece a fotógrafa Anna (Nora Arnezeder), com quem desenvolve uma relação bem próxima, algo incomum para o solitário Frank. Só que seus impulsos de perseguir e matar se tornam cada vez mais incontroláveis. É um remake do cult O Maníaco, de William Lustig de 1980. © Califórnia Filmes


 "Por favor, não grite. Você é tão linda."



Combinar gêneros mais "humanos", como o drama e a análise psicológica em um filme de horror não é nada fácil. Tal missão se torna ainda mais difícil se considerarmos um filme do gênero que se divide entre os subgêneros gore e slasher, que naturalmente tendem a se apresentar em produtos mais gráficos e de pouca complexidade narrativa. Criar suspense utilizando o ousado recurso da câmera subjetiva (onde o espectador acompanha o filme através do olhar de um personagem) usando o ponto de vista do assassino da trama, é mais difícil ainda. Usar tal recurso narrativo durante toda a projeção, ainda mais desafiador. Eis então minha surpresa ao acompanhar o ótimo Maníaco, refilmagem do terror homônimo de 1980 dirigido por William Lustig (que não vi), lançado recentemente pela California Filmes para locação no Brasil e que percorreu o circuito de festivais no ano de 2013.

Dirigido com uma elegância estética surpreendente por Franck Khalfoun (P2 - Sem Saída), o longa acompanha o serial killer Frank Zito (Elijah Wood) que é dono de uma pequena loja de manequins que também lhe serve como lar, e onde também restaura velhas peças em novos modelos de plástico. O aspecto doentio do moço fica por conta do modus operandi do assassino. Ele tem preferência por jovens mulheres e as escalpela, utilizando o cabelo como acessório realista em seus bonecos. Sua rotina de matança parece mudar quando uma bela fotógrafa, Anna (Nora Arnezeder) se interessa por seus manequins e decide utilizá-los numa próxima exposição. A partir daí, Frank se interessa romanticamente pela moça, mas um potencial relacionamento entre eles parece improvável devido à forte psicopatia do rapaz. Um fiapinho de roteiro, escrito por Alexandre Aja e Grégory Levasseur (Viagem Maldita, Alta Tensão) que parecia sugerir apenas mais um filme genérico acaba surpreendendo, pois é aí que entram as sábias escolhas feitas pela direção e produção do filme.

A trama se passa numa Los Angeles suja, soturna e decadente, sugerindo um cenário quase pós-apocalíptico, um local mais do que adequado para os crimes de Frank e que remete diretamente aos giallo italianos e ao gênero neo-noir. Contribui para a intensificação dessa ideia a fotografia de Maxime Alexandre (Espelhos do Medo, A Epidemia) que investe numa paleta dessaturada e que mesmo durante o dia (o filme se passa predominantemente à noite) apresenta tons de cores frias ou neutras e um ambiente sempre nublado. Como contraposição à tal neutralidade na fotografia há frequentemente o uso pelo design de produção de cores vivas e chamativas como o vinho, pink ou o roxo nos encontros de Frank com suas vítimas, nas alucinações que tem com a falecida mãe ou no primeiro contato com Anna, através da cor de sua touca. O tom berrante também está presente no teto e paredes do quarto de Frank, sugerindo seu próprio estado mental em tais momentos da trama. E falando da escolha do protagonista, essa não poderia ter sido mais acertada, contrariando alguns comentários de que Wood não convenceria no papel de um sociopata. Justamente pelo antagonista ter aparência inocente, quase infantil, é que o perigo apresentado por ele se torna mais imprevisível, afinal, não foi difícil para Frank atrair uma de suas vítimas num chat online, bem como se apresentar em um evento público ou conseguir a amizade de Anna sem maiores problemas. Falando nela, Anna também está muito bem representada por Arnezeder, que traz uma composição simples e charmosa para seu papel, sem muitos chamarizes de interpretação e que, por esse motivo, convence como uma personagem humana como deve ser.

Mas o ponto alto mesmo de Maníaco é a inteligente utilização da câmera subjetiva. Em apenas dois momentos nos afastamos e podemos visualizar Frank quase numa experiência extracorpórea, afinal, para todos os efeitos, no filme nós somos Frank. E se isso causa desconforto sensorial porque vemos todas suas ações e muitas delas são extremamente gráficas ao mesmo tempo em que causa estranhamento por sermos obrigados a sermos os antagonistas da trama, o recurso permite algumas explorações interessantes. Por exemplo, é inequívoco o paradoxo nas sensações que os assassinatos evocam. Sentimos ao mesmo tempo piedade pelas vítimas e também por Frank, já que ele mesmo é uma vítima de seu passado e de sua mente doentia. Esse aspecto presente no roteiro é muito interessante. Em nenhum momento Maníaco nos apresenta o antagonista como um badass indestrutível como Jason ou Freddy Krueger, cujas ações parecem ser glorificadas numa espécie de Cosmética da Violência, parafraseando Ivana Bentes. A violência pela violência. Aqui não. No filme, o recurso do POV força que a brutalidade seja mostrada, mas em nenhum momento exaltada, já que por estarmos sempre junto com Frank, sentimos suas motivações e sua culpa, mostrando o lado humano de um serial killer, algo poucas vezes visto em filmes do gênero. Ainda funciona, de certo modo, como providencial a subjetividade da câmera já que o desfecho não deixa claro o que é real e o que é fantasia de Frank (digo isso em relação à cena da batida de carro, e não ao final propriamente dito, claramente figurado e poético). 

No meio desse texto todo, ainda não há como deixar de citar a trilha sonora composta por Robin Coudert (aqui citado apenas como Rob) que investe em composições eletrônicas e sintetizadores que transportam diretamente o espectador de volta às produções dos anos 1970/1980.
Por trás de sua inofensiva aparência de remake de um exploitation com cara de filme B, Maníaco traz consigo uma aura cult, mais do que merecida se pensarmos que o filme é um inteligente exercício de estilo de Khalfoun e Aja e que lança para si mesmo um rótulo que poderíamos chamar de horror de arte. Nada mal para uma refilmagem de um ilustre desconhecido.





NOTA: Você pode acompanhar os seis primeiros minutos do filme através do vídeo abaixo:



quinta-feira, 2 de abril de 2015

A Janela Secreta (2004)

A Janela Secreta (Secret Window, EUA, 2004)
Diretor: David Koepp
Elenco: Johnny Depp (Mort Rainey), John Turturro (John Shooter), Maria Bello (Amy Rainey), Timothy Hutton (Ted Milner), Charles S Dutton (Ken Harsch), Len Cariou (Xerife Dave Newsome), Joan Heney (Mrs. Garvey), Vlasta Vrana (Chefe dos Bombeiros), Elizabeth Marleau (Juliet Stoker), John Dunn Hill (Tom Greenleaf), Gillian Ferrabee (Fran Evans).
SINOPSE: Um famoso escritor de suspense, Mort Rainey (Depp) é confrontado por um estranho e misterioso homem na porta de sua casa, que o acusa de plágio. Se autodenominando Shooter (Turturro), o homem parece cada vez mais ameaçador ao exigir de Mort que este conserte o final de sua história roubada.



"A parte mais importante da história é o final"





 
David Koepp é um roteirista que me agrada bastante, justamente por trabalhar com frequência dentro do gênero thriller. Responsável pelos roteiros de, entre outros, Jurassic Park (1993) e sua sequência O Mundo Perdido (1997), Guerra dos Mundos (2005), Homem-Aranha (2002) e O Quarto do Pânico (2001), Koepp também se aventura às vezes na direção, sempre dirigindo roteiros de sua própria autoria. Foi assim com o ótimo Ecos do Além (1999) e o curioso Efeito Dominó (1996). Em A Janela Secreta, o diretor-roteirista adapta o material de Stephen King (o conto Janela Secreta, Jardim Secreto, presente na coletânea Depois da Meia-noite) e executa um bom trabalho, embora seus sérios defeitos no terceiro ato quase comprometam a coisa toda.

A trama envolve o escritor Mort Rainey (Johnny Depp) que vive recluso em uma cabana distante da cidade grande, após ter descoberto que sua esposa Amy (Maria Bello) o traiu com Ted (Timothy Hutton). Suas companhias envolvem basicamente apenas o simpático cachorro cego Chico e eventualmente a senhora Garvey (Joan Heney) que vem para limpar sua casa ocasionalmente. Um dia Rainey acorda com furiosas batidas em sua porta, que provam se tratar de John Shooter (John Turturro) um escritor que acusa Mort de ter plagiado sua história, “Sowing Season” e ter arruinado seu final. Exigindo que Mort mude o final da história e republique dando os devidos créditos a Shooter, o homem se mostra cada vez mais ameaçador conforme o filme avança, envolvendo Mort e as pessoas a sua volta num clima de paranoia e medo.

Koepp constrói aqui um produto de acertos e defeitos. O diretor acerta, por exemplo, ao encher o filme de metáforas e pistas visuais, como aquela que mostra uma rachadura tomando completamente o chalé de Rainey após um momento que representa a fissura mental de um personagem, bem como a elegante decisão de iniciar o filme nos apresentando o protagonista através de um espelho e, da mesma forma, filmar uma tomada saindo do espelho ao nos mostrar uma revelação próxima ao desfecho do filme.


Outro ponto forte da trama são as atuações, todas corretas. Johnny Depp está perfeito e parece se divertir à beça em sua construção de personagem que acaba se tornando a alma do filme. Junto com a figurinista Odette Gadoury, Depp constrói Mort Rainey como um homem recém-saído da depressão, desleixado com sua aparência e com sua saúde, vestindo quase sempre um roupão rasgado e utilizando cores predominantemente neutras e desbotadas, seu personagem parece estar sempre mergulhado em seu próprio ambiente recluso, tanto no sentido literal representado pela cabana isolada em que vive, como dentro de sua mente e em sua dificuldade em lidar com outras pessoas, principalmente com mulheres. Já John Turturro encarna com perfeição seu caipira do sul dos Estados Unidos, com um sotaque carregado, mas que soa bem natural, já que ele basicamente interpreta uma caricatura de vilão que funciona muito dentro da narrativa. Maria Bello e Timothy Hutton encarnam os “adúlteros” de maneira igualmente interessante, demonstrando culpa ao mesmo tempo em que buscam retomar suas vidas tentando fazer com que Mort assine os papéis do divórcio. Contam ainda pontos para o filme os diálogos crus e humanos que os personagens travam, cheios de ressentimento, raiva e saudade, sentimentos humanos que criam realismo na trama e empatia com aquelas pessoas.


Apesar de todas essas qualidades, Koepp erra a mão em escolher uma trilha sonora (de Philip Glass) de acordes pesados e pouco sutis que causam um estranho paradoxo com a leveza que o filme adota na maior parte da trama, que utiliza vários momentos para criar humor, vindo principalmente do personagem de Depp, o que leva, claro, que o público simpatize com ele.

Ainda, por ser um filme de suspense, o mistério principal fica devendo, sendo ele frouxo e que poderia indicar que se trata de um filme barato. No entanto, para o espectador menos atento e mesmo para aquele que matou a “charada” no meio do filme, “A Janela Secreta” se constitui como um eficiente exercício de gênero de Koepp, pelo menos na maior parte da projeção.


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