sexta-feira, 24 de março de 2017

As Fábulas Negras (2014)

As Fábulas Negras (Brasil, 2014)
Diretores: Rodrigo Aragão, José Mojica Marins, Joel Caetano, Petter Baiestorf
Elenco: Hugo Firme Fraga, Diego Fernandes, Arthur Medeiros, Arthur Marcel, Carol Aragão, Milena Bessa, Walderrama dos Santos, Tiago Ferri, José Mojica Marins, Markus Knoká, Ana Carolina Braga, Cesar Souza, Eldon Gramlich, Daniel Boone, Margareth Galvão, Kika Oliveira, Reginaldo Secundo, Marcia Coqueiro, Mayra Alarcón, Dora Dadalto, Alicia Moreira, Sara Lima, Fonzo Squizzo, Giovanni Coio, Elias Aquino, Foca Magalhães e Alzir Gabriel Vaillant. 
SINOPSE: Um grupo de crianças embarca numa aventura macabra povoada com personagens do imaginário popular brasileiro – lobisomem, bruxa, fantasma, monstro e Saci. Com o encontro antológico entre quatro dos nomes mais importantes do terror nacional: Rodrigo Aragão, Petter Baiestorf, Joel Caetano e José Mojica Marins, o eterno Zé do Caixão.




Um Banho de Sangue no Folclore Brasileiro






            Como observa a pesquisadora Laura Loguercio Cánepa em sua tese Medo de quê? - Uma História do Horror nos Filmes Brasileiros (Campinas, 2008), causa estranheza que numa cultura de fantasia rica como a brasileira – cheia de mitos, lendas, um belo folclore, superstições e religiosidades – o cinema, ou a ficção de horror nunca tenha alcançado a popularidade como ocorre em outros países, mesmo com o espectador de cinema brasileiro um dos que mais consome horror (vindo de fora). Sem querer entrar nos vários motivos que levaram a essa situação, pode-se dizer que somente com o cineasta José Mojica Marins, em 1963, com o icônico À Meia-Noite Levarei sua Alma, o gênero finalmente ganhou as telonas brasileiras, mas ainda assim, somente nas duas últimas décadas é que ele voltou com força, através da coragem de realizadores que com pouca grana (ou mesmo nenhuma) fez com que o cinema de horror alcançasse até mesmo festivais mundo afora. Estou falando de nomes como Dennison Ramalho, Petter Baiestorf, Rodrigo Aragão, Joel Caetano, Felipe M. Guerra, nomes que os aficionados brazucas com certeza devem conhecer.

            Dentre esses nomes, um dos mais prolificos desses realizadores, o capixaba Aragão, fez algo de se admirar em 2014. Reuniu alguns nomes dessa galera do mal (incluindo Mojica) para dirigir uma antologia que, para todos os efeitos, se torna um marco na virada do gênero que vai render muito ainda em nosso cinema – As Fábulas Negras. Dividido em cinco histórias, o longa explora algumas lendas brasileiras, subverte outras e ainda cria algumas, que como toda antologia, padece de irregularidade entre uma história e outra, mas ganha na agilidade, pois rapidamente passamos de um conto ao próximo. Entre os curtas, quem guia o roteiro são quatro meninos que, enquanto brincam e percorrem uma mata, vão assustando-se com suas imaginações e causos que contam uns para os outros.Vamos a eles:
            O Monstro do Esgoto – Rodrigo Aragão: Um caricato prefeito corrupto desvia verbas do saneamento básico da cidade que administra, sem saber o monstro – literalmente – que acaba criando. Do ponto de vista técnico, o primeiro segmento é muito competente: A direção de Rodrigo Aragão não é engessada e explora diferentes ângulos de câmera e recursos cinematográficos como pouco se vê no cinema amador. O elenco, no entanto, fica devendo, sendo em sua maioria bastante amador, bem como o roteiro que contém alguns diálogos e situações pouco inspiradas. O gore rola solto, e a maquiagem e os efeitos visuais são realistas a ponto de virar o estômago, efeitos usados aqui sem a menor parcimônia. (***)
            Pampa Feroz – Dirigido por Petter Baiestorf: Uma releitura da lenda do Lobisomem, numa fazenda do Sul do País. Avaliação: Todo aquele lance da armadura parece deslocado de sentido na trama, bem como a trilha sonora que acompanha o momento em que o personagem a apresenta, mas tirando isso, é o curta mais interessante, inclusive do ponto de vista de elenco, apresentando atuações homogeneamente profissionais e competentes, numa nova versão da lenda do lobisomem. O animatrônico do lobisomem é muito bom e a maquiagem igualmente competente (****)
            O Saci – José Mojica Marins: Uma menina filha de pais religiosos sempre recebe o aviso de um velho pai de santo para respeitar as criaturas da floresta enquanto caminha por ela. Avaliação: O design da criatura que representa o saci, com seus olhos arregalados e boca arreganhada, é sinistríssimo e realmente assusta. Ainda conta com uma participação mais que especial do diretor José Mojica Marins e nudez gratuita para ninguém botar defeito. Em seu desfecho consegue até mesmo abrir espaço para uma interpretação mais psicológica. (****)

            A Loira do Banheiro – Joel Caetano: Mais uma releitura, desta vez do mito que assustou toda uma geração dos banheiros escolares nacionais: A Loira do Banheiro. Avaliação: Contando com um prólogo eficiente, observa-se que Caetano também possui grande noção de técnica cinematográfica, extraindo boas atuações de seu elenco, bem como uma visualização espacial bastante inteligente. Alguns elementos, como o personagem de Hugo, funcionário deformado do internato, remetem diretamente à época dos filmes góticos, de castelos malditos e bruxaria. Maquiagem também bem boa. (****)
            A Casa de Iara – Rodrigo Aragão: Novamente Aragão na lista na história que encerra o filme, sobre uma mulher traída que encontra um meio pouco ortodoxo de vingança. Trama bastante súbita, acaba não deixando espaço para um envolvimento com os personagens, em detrimento de um belo visual (**).

            Contando com mais acertos do que erros, As Fábulas Negras entretém enquanto cinema de horror, e quantas vezes você leitor já teve experiência parecida.


segunda-feira, 20 de março de 2017

O Caseiro (2016)

O Caseiro (Brasil, 2016)


Diretor: Julio Santi

Roteiristas: Julio Santi, Felipe Santi, João Segall

Produtora: Rita Buzzar

Elenco: Bruno Garcia, Malu Rodrigues, Leopoldo Pacheco, Denise Weinberg, Annalara Prates, Bianca Batista, Victória Leister, Pedro Bosnich, Roberto Arduin, Fabio Takeo, Antonio Haddad Aguerre, Mirtes Nogueira, Julio Santi, João Segall.












            Construir um proverbial filme de gênero num cinema tão marcado pelo drama e pela comédia como o brasileiro é um tanto complicado. E embora o cenário venha mudando nos últimos anos, com filmes de horror, ação e suspense sendo lançados comercialmente, ainda não há terreno bem assentado para tal forma de cinema, de modo que muitos dos cineastas que se aventuram com suas ideias acabam, para o bem ou para o mal, sendo pioneiros e o sucesso de suas experiências pode ditar uma continuidade de produções similares.
            A mais recente tentativa de se construir um suspense de horror sério no Brasil atende pelo nome de O Caseiro, produção de Julio Santi, estreante no gênero, que curiosamente bebe diretamente na fonte das convenções hollywoodianas, com resultados variando do eficiente ao constrangedor.


            Bruno Garcia (também produtor associado) interpreta Davi, um professor de psicologia cético que atribui aos supostos fenômenos envolvendo fantasmas uma explicação exclusivamente científica. Um dia a jovem Renata (Malu Rodrigues) vai até ele buscando ajuda para sua irmãzinha, que parece estar sofrendo com a presença do antigo caseiro que se suicidou décadas antes no sítio de sua família. Decidido a ajudar a moça, ao mesmo tempo em que coleta dados para suas pesquisas, Davi vai até a casa da família, localizada no interior do estado, e desconfia que o pai da menina (Leopoldo Pacheco) possa ter algo a ver com o trauma pelo qual vem passando a garotinha.
            Se a sinopse do parágrafo anterior soou genérica, isso não é à toa. Santi lança mão de diversos artifícios e até mesmo de uma estrutura narrativa idêntica a thrillers psicológicos estadunidenses. Exemplos disso vão do prólogo obrigatório para mostrar a origem do mal que assola os personagens, pistas falsas e um desfecho com plot twist. No entanto, é de se admirar que o  realizador passe longe de soluções fáceis, como o apelo ao humor gratuito, ou a jumpscares, ambos recursos inexistentes na trama. Apoiando-se muito mais na interpretação de seu elenco e no silêncio que permeia o longa, o filme acerta principalmente na paleta de cores que o alemão Ulrich Burtin utiliza, em tons predominantemente acinzentados e dessaturados, ressaltando a sensação de isolamento e depressão. Por outro lado, algumas dessas escolhas acabam por sabotar o longa, como o fraco desempenho das crianças e um personagem monotônico entregue por Garcia, que muitas vezes leva o longa ao tédio. O terceiro ato ainda é uma bagunça, ao querer resolver subitamente os mistérios que propôs, gerando pouca ou nenhuma resposta catártica no espectador. A mixagem de som ainda parece sofrer um bocado com falas que parecem ter sido dubladas em excesso na pós-produção. Uma pena, pois parecia haver um filme muito bom por trás de conceito de O Caseiro.

Um adendo conveniente: O DVD original vem com audiodescrição e libras como recursos de acessibilidade.


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