sábado, 8 de novembro de 2014

O Nevoeiro (2007)

O Nevoeiro (The Mist, EUA, 2007)
Diretor: Frank Darabont 
Elenco: Thomas Jane (David Drayton), Billy Drayton (Nathan Gamble), Steff Drayton (Kelly Lintz), Marcia Gay Harden (Mrs. Carmody), Andre Braugher (Brent Norton), Frances Sternhagen (Irene Reppler), Laurie Holden (Amanda Dunfrey), Toby Jones (Ollie Weeks), William Hadler (Jim Grondin), Jeffrey DeMunn (Dan Miller), Alexa Davalos (Sally), Chris Owen (Norm), Sam Witwer (Soldado Jessup), Robert C. Treveiller (Bud Brown), David Jenses (Myron), Andy Stahl (Mike Hatlen), Susan Malerstein (Hattie), Brian Libby (Motoqueiro), Buck Taylor (Ambrose Cornell).
SINOPSE: Depois que uma violenta tempestade devasta a cidade de Maine, David Drayton - um artista local - e seu filho de 8 anos correm para o mercado, antes que os suprimentos se esgotem. Porém, um estranho nevoeiro toma conta da cidade, deixando David e um grupo de pessoas presas no mercado - entre elas um cético forasteiro e uma fanática religiosa. David logo descobre que o nevoeiro esconde algo sobrenatural e que sair do mercado pode ser fatal. Mas conforme o grupo tenta desvendar o mistério, o caos se instala e fica evidente que as pessoas dentro do mercado podem tornar-se tão ameaçadoras quanto as criaturas do lado de fora.


"A Crença os divide. O mistério os cerca. Mas o medo muda tudo"

O cineasta Frank Darabont se tornou um fã de Stephen King quando, ainda no colégio, leu uma edição de O Iluminado e passou então a consumir tudo que tivesse o nome de King associado. Vale lembrar que muito tempo antes dos oscarizados dramas Um Sonho de Liberdade (1992) e À Espera de um Milagre (1999), Darabont havia comandado em 1983 um curta chamado The Woman in the Room, baseado em um conto homônimo de King contido na antologia Night Shift (Sombras da Noite). Sendo, portanto, um fã incondicional de Stephen King, Darabont não demorou a utilizar seus talentos e conhecimentos em cinema para transpor as suas histórias favoritas para as telonas. Além disso, Darabont sempre foi um fã também do cinema fantástico, começando sua carreira no cinemão como roteirista de A Hora do Pesadelo 3: Os Guerreiros dos Sonhos (1987), e também escrevendo o remake de A Bolha Assassina (1988) e a sequência A Mosca 2 (1989). Sonhando em filmar O Nevoeiro há mais de vinte anos, o cineasta finalmente conseguiu em 2007 um modesto orçamento (18 milhões de dólares) e a produção de Bob Weinstein da Dimension Films para colocar sua ideia finalmente em prática, o que resultou em uma das melhores adaptações de King para as telonas e confirma a sintonia entre cineasta e escritor.

      O roteiro, baseado no conto homônimo de Stephen King publicado nas antologias Dark Forces (1980) e Tripulação de Esqueletos (1985), trata de uma intensa tempestade que assola uma pequena cidade no Maine; David Drayton (Thomas Jane, de O Apanhador de Sonhos) é um artista que vive com a esposa (Kelly Lintz) e o filho (o jovem talentoso Nathan Gamble) e que após a intensa tormenta parte rumo ao centro da cidade para comprar mantimentos, junto com seu filho e seu vizinho (Andre Braugher) com quem se desentendeu no passado. Chegando lá, o supermercado está lotado e David se une à dezenas de outras pessoas, ficando trancados no estabelecimento quando percebem que um nevoeiro extremamente denso e perigoso assola os arredores do mercado, revelando criaturas entômicas que evocam seres pré-históricos, de hábitos irracionais e carnívoros. No entanto, o maior perigo para aquelas pessoas acaba se revelando não pelos monstros literais, mas pelo convívio entre eles que gera facetas podres e conflitos morais de cunho religioso.

      Apesar de parecerem simplistas e óbvias, as metáforas e alegorias utilizadas por King no trabalho original e por Darabont no filme funcionam excepcionalmente bem porque retratam bem a sociedade e, especificamente, o momento Bush pós-11/09 que se passou nos Estados Unidos. King e Darabont utilizam os monstros trazidos com o nevoeiro como mero instrumento para estudar o comportamento humano diante de uma situação de claustrofobia, medo, paranoia e pressão, defendendo a ideia de que a civilização é uma camada fina demais que se rompe muito facilmente quando são aplicadas condições extremas, gerando uma volta ao irracional (algo que remete também à obra O Senhor das Moscas (1954)). Outro aspecto que também gostei ao observar as atuações foi o elenco uniformemente bom, desde a entrega comovente do ator mirim Nathan Gamble até os exageros de atuação de Marcia Gay Harden que interpreta uma fundamentalista religiosa. Nesse sentido, é interessante também notar no filme o que se conhece nos EUA como Ensemble cast, um conceito de atuação onde um tempo igual de tela e importância dramática são concedidos e divididos entre os atores, algo que aqui funciona de maneira orgânica e adiciona um ar de realismo à trama, já que em alguns momentos do filme caras desconhecidas de figurantes ganham closes e falas, remetendo a algo que provavelmente aconteceria no mundo real em situação parecida, e gerando uma identificação potencial com vários daqueles personagens, não somente com o protagonista, gerando até mesmo vários "protagonistas" da história.

      Contribuem igualmente para o realismo e o apelo popular da trama o uso inteligentíssimo de câmera que fazem Darabont e o diretor de fotografia Rohn Schmidt ao trabalhar frequentemente com uma câmera na mão que treme a todo momento e os zooms rápidos, que não só situam o nervosismo e a tensão daquelas pessoas, mas também conferem um aspecto semi-documental a O Nevoeiro. Até mesmo os efeitos especiais responsáveis pelo design e movimento das criaturas (criados por Greg Nicotero e Bernie Wrightson conceitualmente, e computacionalmente por Everett Burrell) se inserem bem dentro das cenas, e mesmo a complexa sequência do ataque noturno ao supermercado é bastante orgânica, e os monstros gerados por CGI realmente convencem na interação com os atores.
Se peca em algum momento, O Nevoeiro o faz no exagero em diversas vezes nas quais Darabont faz uso de diálogos expositivos, algo desnecessário e até anticlimático, sobretudo na cena onde vários personagens tem uma conversa definitiva dentro de um carro.

      Encerrando de uma maneira elegantemente aterradora, O Nevoeiro traz ainda a belíssima The Host of Seraphim, da dupla Dead Can Dance como fundo musical (algo que, aliás, o filme evita durante todo o filme, sons artificiais e trilha sonora), e envia os espectadores de volta à realidade com uma desagradável sensação que confirma a eficácia do filme e de sua mensagem, e encerra a tese de um dos personagens: A de que, como espécie, somos basicamente insanos. Por que acham que criamos política e religião?  

Definitivamente um filme a ser visto.





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